Para começo de conversa, é preciso dizer que olho e opino de um lugar bastante específico: apesar das raízes árabes herdadas do avô Abraão e da bisavó Zalfa, nasci branca. E isso muda muita coisa.
Sim, brancos têm privilégio simplesmente por serem brancos, a despeito das durezas na caminhada de cada um. Reconhecer o benefício historicamente agarrado na pele que habitamos é uma pequena contribuição, entre muitas possíveis, para a longa estrada que ainda separa a humanidade da igualdade racial.
A ideia não passa por negar o que somos ou invadir o combate alheio. Passa pela compreensão da dor que afeta o povo preto e seus ancestrais, pela noção do quanto a sociedade ganha com a diversidade e pelo entendimento, ético e político, de que a solidariedade não nasce apenas de experiências compartilhadas, como nos ensina bell hooks (assim mesmo, em minúsculas).
Com todo respeito, argumentos como “não é o meu lugar de fala” soam malandramente simplistas diante da complexidade de um país onde mortes violentas entre negros são 159% maiores do que entre brancos, 70% dos desempregados são pretos ou pardos e apenas 4,7% entre os que trabalham ocupam posições de liderança.
É verdade que tecer comentários sobre a opressão racial sendo branco significa falar sobre um tema que não nos pertence diretamente. É verdade que um branco não representa um negro nem tem legitimidade para julgar como ele se sente diante da discriminação. Mas é verdade também que um branco pode se posicionar a respeito do racismo a partir do lugar em que vê o mundo, com bom senso e empatia.
Calar sobre o assunto significa compactuar com o racismo estrutural, um sentimento cristalizado de tal forma na sociedade que, muitas vezes, manifestações claramente preconceituosas deslizam pelo cotidiano como se fossem música suave.
Não são.
Herança direta da escravidão, o racismo infelizmente persiste. Desconstruí-lo nos espaços de atuação pessoal, profissional e institucional é uma causa urgente para brancos e pretos, juntos e misturados.
📰 Texto originalmente publicado em A Gazeta no dia 19 de outubro de 2019.