Estes dias estava passando Tudo Acontece em Elizabethtown na televisão, daí lembrei deste texto, de uns quatro ou cinco anos antes. Era dezembro, e ideia ainda tinha acento.
“Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
Num sol de quase dezembro
Eu vou…”
Caetano Veloso
Haveria apenas mapas, uma edição do Guia Prático das Estradas Brasileiras para Viajantes Solitários e dinheiro que bastasse para comer nas horas em que fosse preciso comer e dormir nas horas em que fosse preciso dormir, e haveria também três pares de calças confortáveis e dois grampos de cabelo, o Elis e Tom, o If You Felling Sinister, os singles dos Smiths, o Chico da capa vermelha, aquele da Elizeth, outro do Caetano, e tempo e silêncio para exorcizar os fantasmas, entender as mudanças, digerir as angústias.
Era tudo.
O carro seguiria a rota do mar, porque, como dizia um texto que li outro dia, ser do litoral significa manter os olhos perdidos no horizonte, o corpo firme na Terra e a alma perambulando por algum lugar nenhum, e assim, olhos perdidos no horizonte, corpo firme na Terra e alma perambulado por algum lugar nenhum, eu faria a viagem, literal e existencial, dos meus 30 anos de idade.
A idéia – divertida e um pouco assustadora – de que todo ser humano precisa fazer uma viagem solitária de carro ao menos uma vez na vida veio de Claire Colburn, e importa pouco que Claire Colburn seja uma personagem de cinema e que tudo o que ela diga seja tão irreal quanto alguém copiar um livro de poemas inteiro para o grande amor (ou a ilusão do amor, vai saber) só porque não há mais exemplares disponíveis nas livrarias e as copiadoras acabariam com a magia daquele dezembro.
De novo é dezembro, aliás, e o sol felizmente voltou, mesmo que tímido, de modo que a opção de ser do litoral parece ainda mais atraente, e não há inseguranças, lembranças, prazeres, medos e amores que mudem as coisas, menos ainda o fato de que, como dizia o texto, os litorâneos são vistos pelos “outros”, continentais, como frívolos (palavra estranha, inútil mesmo) e sonhadores.
Eu, que nasci numa cidade sem praia e desde pequena tenho um pouco de medo do mar, gosto das idéias, todas – do litoral, dos frívolos e sonhadores, seus olhos, corpo e alma nos respectivos lugares, de Claire Colburn e da viagem, literal e existencial, que todo ser humano precisa fazer pelo menos uma vez na vida.
Acho que vou, um dia.
Por que não?