Pouca coisa no mundo entrega a verdade de modo tão direto quanto os olhos. Mais que a maioria das palavras, mais que boa parte das canções, mais que muito movimento de cabelo, mão, braço, ombro, perna ou pé, os olhos escancaram as vontades, evidenciam as tristezas, entregam o sentimento mais fundo. Os olhos espalham até as informações que a gente quer disfarçar, as lembranças que precisa suavizar, as saudades que acha melhor esconder, agonias, rancores e as ausências como aquela, incômoda e silenciosa que não pode mais ser dita porque cansou, estragou, gastou.
Mais que a maioria dos discursos, mais que boa parte dos barulhos, mais que muito movimento de cabeça, joelho, cotovelo [ai], cadeiras ou nariz, os olhos manifestam cansaço, atestam felicidade, trazem a dor no estômago à tona. Assim, supersinceros como o personagem da TV, eles contam até do segredo que era pra continuar segredo, um interesse súbito nascido sabe-se lá onde, uma mudança de estratégia, a confiança acima do resto, um afeto deslocado, um desejo inadequado, volta, braço, música e madrugada, sempre, pra sempre.
Os olhos dizem quase tudo, 24,15 milímetros de diâmetro, 7,5 gramas de peso, 75 milímetros de circunferência e 6,5 centímetros cúbicos de volume, exatidão, autenticidade e precisão. Dizem do querer, do sonhar, do duvidar, do desafiar, apertar as pálpebras quando não entende, fechá-las quando não aguenta, abrir outra vez quando o despertador grita, ou às vezes o sono, a insônia, o pensamento, a obrigação, apressada, agoniada, cansada.
Os olhos abraçam a beleza do mundo inteiro, o bonito e o feio, o feliz e o triste, o justo e o nem tanto, o encantador e o contrário, políticos com seu excesso de acusações que encobrem a falta de ideias que prestem, celebridades com seu excesso de toxina botulínica que mascaram o tempo, médicos que atrasam a consulta, histéricos que buzinam no trânsito, supermercado cheio, shopping cheio, mundo cheio, o oposto do encanto que a gente precisa pra alimentar o olhar.
Os olhos inspiram poemas, filosofias e canções, um monte delas, de homens que amam, mulheres que sofrem, mulheres que amam, homens que sofrem, com algumas variações, grandes ou menores. Uma quis morrer de ciúme e quase enlouqueceu [mas depois, como era de costume, obedeceu], a outra achou que o olhar dele melhorava o seu. Uma encontrou a vida no olho do outro, a outra pôs nos olhos vidros pra poder melhor enxergar, e até o batuque de outros carnavais, “quando te vejo e paro logo em teu olhar”, aquela história.
Se a visão é, como dizia Santo Agostinho, o mais espiritual dos sentidos [eu acredito], cor, formato, brilho, mancha, olheira, ruga e sobrancelhas revelam o dentro do corpo, a sua verdade e, na maioria das vezes, alguma profundidade, e talvez seja de fato verdadeira a frase que me disseram um dia: que o mais profundo é a pele.
Nada mais bonito e intenso do que uma conversa olho no olho, mesmo quando não existem palavras, só o olhar um ao outro.
Verdade…
Como dizem: “Os olhos são janelas da alma”.
Sou fã dessa mulher,gosto muito dos seus textos.Parabéns sempre!
São mesmo, Néris. Obrigada pela visita.
Ultimamente, quase sempre pelo menos, tenho evitado me olhar nos olhos.
[…] palavra bem colocada, uma visita, um telefonema no meio da madrugada, um encontro, um abraço, um olhar, um presente feito à mão, a própria mão encostada de um jeito bom [aquele […]