Aquele estranho hábito, dormir
por Moacyr Scliar
“Dormir, talvez sonhar”. Shakespeare, Hamlet. São Paulo, em uma noite do ano de 2080. Um garoto aproxima-se de seu bisavô, que já passou dos cem anos. Tem uma pergunta para fazer, uma pergunta curiosa e, ao mesmo tempo, inquieta.
– É verdade -pergunta- que quando você era criança as pessoas dormiam?
O bisavô suspira.
– Sim -responde- é verdade. Quando eu era menino, as pessoas dormiam; dormiam poucas horas, mas dormiam.
A resposta não satisfaz o garoto, que continua intrigado. Pedindo desculpas pela insistência, volta à carga:
– Mas o que era isso, essa coisa de dormir?
O ancião suspira de novo. Obviamente não sabe, não consegue, explicar algo do qual pouco se lembra, mas bisavôs têm a obrigação de educar os bisnetos, e ele ao menos tentará.
– Dormir era o seguinte: quando chegava a noite, a gente tirava a roupa, vestia uma coisa chamada pijama, e íamos para a cama. Olhávamos um pouco de televisão, que era a forma de mostrar imagens naquela época, depois desligávamos o aparelho, fechávamos os olhos e adormecíamos.
O garoto está assombrado:
– Mas o que vocês faziam quando estavam dormindo?
O ancião sorri:
– O que fazíamos? Nada. Quer dizer: fazíamos alguma coisa, sim. A gente sonhava.
Agora o garoto não entende mais nada. Sonhar? O que o bisavô queria dizer com isso? O que era sonhar? O velho tenta explicar: a gente via coisas, pessoas que não existiam.
– E era bom?
– Era. Quase sempre era. Às vezes os sonhos se transformavam em pesadelos, mas, em geral, a gente gostava de sonhar.
O garoto fica um instante em silêncio. E aí faz a inevitável pergunta, a pergunta que, para ele, é muito mais importante do que imagina:
– E se você pudesse sonhar hoje, com o que sonharia?
Eu sonharia com a época em que se podia dormir e sonhar é a resposta que de imediato ocorre ao bisavô. Mas, claro, não é o que ele diz: a última coisa que quer é parecer saudosista.
– Eu sonharia com um bisneto que não me fizesse tantas perguntas.
O garoto ri, despede-se e sai. A noite é uma criança e ele ainda tem muito o que fazer.