Apesar dos protestos, sempre adorei os dias de calor, abrir a janela felicíssima com o quente que vem da rua, aproveitar os minutos que sobram do almoço plantada debaixo do sol como uma planta fazendo sua fotossíntese, olhar atrás do vidro a profusão de vermelhos e amarelos e cinzas e verdes do entardecer, pensar no quanto faz bem viver embalada pela ideia de que, no verão, a vida pesa menos. Mas o outono, que começou oficialmente às 14h32 do divertido sábado-de-samba, tem seu lugar, certo que tem.
Enquanto o verão lembra leveza e movimento, o outono lembra faxina, arrumação, vender o carro polido aos sábados com certa displicência, os eletrodomésticos da casa de paredes brancas, geladeira, fogão, mesa com tampo de vidro, tela plana e até a cama, desde sempre recostada na parede. Se o verão lembra praia, música alta e caipirinha, o outono lembra mudar de ares, desfazer do apego, do muito medo, do aconchego e da timidez, jogar fora os papéis que não servem, e também algumas histórias e as faltas.
Enquanto o verão tem chegadas e reencontros, o outono tem a decisão, difícil mas certeira, de deixar, virar a página. Se franceses, paquistaneses, chineses e holandeses eram capazes de viver com gramáticas e relações em que nunca houve a dor da ausência, por que não a gente? Saudade, afinal, faz parte da lista das palavras (é a sétima) mais difíceis de traduzir do mundo – só perde para ilunga (“alguém disposto a perdoar quaisquer maus-tratos pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez”, no idioma africano Tshiluba), shlimazi (“alguém cronicamente azarado”, em ídiche) e outras quatro que não lembro agora.
Outono é tempo das mudanças, dizem os maias, os astecas, os chineses, os hindus e os japoneses. É temporada de transformações, de colher e ver as folhas que caem, amarelas. É a época em que a luz solar incide perpendicularmente sobre o Equador, ambos os hemisférios igualmente iluminados, dias e noites com duração semelhante, temperaturas mais amenas, menor umidade do ar, redução de chuvas (é?), mudanças bruscas no céu e, segundo o Instituto Nacional de Tempo, Clima, Psicologia e Transformações em Geral, formação de nevoeiros que, chova ou faça sol, terão se dissipado até o final da estação. Oba.
Ainda sobre outonos e mudanças, seu texto me lembrou este outro aqui:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI124381-15230,00-ESCRIVANINHA+XERIFE.html
bj.
Acho que me identifiquei com várias partes do texto dela… Tem bastante a ver com essa ideia do outono mesmo. Obrigada de novo pela dica boa 🙂
[…] ao futuro, mês novo, ano novo, um dia depois o outro, 31 e depois mais, aniversário, carnaval, outono, mentira, férias, frio, festa da cidade, Natal e tudo de novo, listar projetos, medir planos, […]
[…] os animais, armazenaríamos o que fosse preciso durante o outono, de comida à aposentadoria, de paciência à sabedoria, de informações aos afetos mais serenos, […]
[…] perceber o quanto gostou daquela noite, na estação seguinte assimilar as palavras do último outono. Às vezes incomodam, machucam, mas ainda assim são aquela coisa: viver de novo e com outro olhar […]